terça-feira, 23 de setembro de 2008

em mandala

Foi bastante impressionante o efeito desse trabalho sobre meu corpo. Horas de produção foram revelando um corpo com dificuldades de descansar, por ansioso e apaixonado. Corpo cansado, mas cabeça desperta e curiosa. Eis que as sensações corpóreas aumentam o seu lastro de significados, frente essas pequenas percepções de como eu me sinto, de como sinto o meu corpo durante o processo de criação. Sensações não de cunho poético, mas prático. Pura bobagem isso que acabei de falar? Enfim, adiante...

Ao longo da elaboração do TCC me sinto como que permanentemente escrevendo o meu projeto de pesquisa para o TCC. Todo o esforço reflexivo, de leitura e de redação desses 4 meses me deixam cada vez mais apta a finalmente formular uma pergunta, ou várias. Finalmente uma pergunta que faz o meu trabalho ter a necessidade de existir. E assim, resoluçoes se fazem importantes a cada vez, e questioná-las, igualmente. Se num primeiro momento algumas experiências de 'acesso aos órgãos' aconteceram, embora tímidas, de uma hora para outra a casa caiu, e tudo pareceu uma mentira. Felizmente voltei a lê-las, podendo me dar conta que as experiência, como também o seus relatos, tinham o seu valor, embora curtas e tímidas. Por isso mais uma vez se tornou preciso voltar ao trabalho... ou melhor, continuar com o trabalho... com tranqüilidade e sem ansiedade. Inclusive me dei conta que tudo que faria com meu corpo a partir de então, seria lucro. Muita coisa já acontece no meu corpo. Eu sei que eu me movo por lugares, eu danço flamenco. Se quero bailar flamenco fresco e verdadeiro, só preciso tirar o mato e liberar os caminhos para que isso se mostre, isso tudo que eu já tenho, e que por algum motivo não acho legítimo. E também não é uma questão de se sentir pronta, numas de 'é só botar o bloco na rua', mas conhecer caminhos e maneiras de não estagnar em caminhos e maneiras.
Da última vez que tentei experimentar alguma coisa sozinha, em casa, o momento antecedeu um ataque de fúria, que depois descambou num surto eufórico que durou um final de semana... acho que as coisas não foram bem porque eu já estava eufórica demais e minha condição não permitia trabalhos mais intimistas como são os que vinha me propondo a fazer. Foi útil sim para um brainstorm, para questionar, para me invocar com o meu trabalho e começar a cuspir todos aqueles questionamentos, que acabaram por ser essa guinada do final de semana. O grito de liberdade, se é que dá pra dizer assim. Pode ser que de uma forma mais objetiva o projeto não tenha mudado, mas internamente eu sei que coisas mudaram...surgiu uma tranqüilidade e um desejo de se assumir e agora uma leve noção de saber como isso pode ser feito.
Voltei então a apostar nos laboratórios. Sabia que preciso insistir neles, mas agora sei que posso e devo levar em consideração o que são as sensações corpóreas que antes eu tanto evocava como sendo de um conto de fadas. Elas não necessariamente vem como reação a uma música ou evocado pelo movimento de algum órgãos, mas vem também pelas situações nas quais colocamos o nosso corpo sem exatamente levar em conta que o está sendo defrontado com uma situação é o corpo. Que atropelar o corpo faz ele gritar, e esse grito também é uma sensação. As sensações são doídas, são ruins por muitas vezes e quero agora me propor a contemplá-las com todo o desespero que lhe cabe e não só me desesperar. Sim, o desespero vem, mas preciso recebê-lo e cuidar dele com carinho. Mas será que aí ele não deixa de ser desespero?
Como posso fazer esse desespero virar flamenco?

O que quero mostrar para a banca, qual é o meu trabalho final? Não acho que o trabalho escrito tenha que dar conta ou de alguma forma justificar o meu trabalho prático, mas acho sim que o trabalho escrito e o processo de pesquisa culminam numa obra para o dia 2 de dezembro - ou seja lá qual for. Inclusive não acho que a obra tenha que falar do processo, mas ser um resultado. O meio é um, o fim não se sabe... Por exemplo, se exploro os órgãos e faço isso durante todo um semestre como processo de pesquisa corporal para a sensibilidade e o auto-conhecimento de minhas reações e jeito de lidar comigo e com a minha arte, além de todo o blábláblá, posso chegar lá na hora e não forçar a barra pra ficar acionando essas coisas em cena? Isso é uma pergunta bem importante... Porque forçar a barra já tem o seu meio pé na mentira. Posso me permitir que o meu corpo seja o resultado de um processo, seja lá em que termos e medidas? Isso já não é preguiça de novo? Acho que preguiça não, acho que mais uma leve pulga atrás da orelha de que qualquer intenção mais cheia de esforços para se mostrar perca sua verdade. Os esforços existem, mas eles têm uma medida, assim como o baile flamenco. Odeio sair para assistir flamenco e acabar vendo teatro. No entanto, não deixa de ser verdadeiro um esforço por seguir tarefas ou por exprimir coisas ainda não tão corporificadas quanto um trejeito de família. Se me proponho como dramaturgia a acessar a todo custo algum órgão, em cena, e lidar com isso, com o que vem e vai de turbulência e transformar isso em dança, já é uma obra. Dessa maneira começo a pensar numa obra que se faz em função da existência de um público, assim como aconteceu com o Sobre Vomitar Coelhinhos. Porque se existe uma sensação necessária numa situação de apresentação, esta é a provocada pela presença do público ali me assistindo.

Acabei de me dar conta que eu penso em círculos. Como uma mandala. Eu não sou capaz de assumir uma idéia e defendê-la até o fim, fico clareando e percebendo todos os lados e ângulos e poréns em cima de uma mesma questão. Se isso parece uma virtude até certo ponto, evitando que em alguma medida eu me cegue dentro de convicções, torna-se difícil assumir uma proposta e assim trilhar um caminho de certezas, nem que por alguns instantes. Um passo que seja. Nem precisa vir o próximo. Mas aí esse pé que quer dar um passo fica ali tateando, sacando tudo o que tem na volta, analisando cada ângulo, cada porém, cada ruim, cada bom, cada por quê, mas não se decide por onde vai, que direção que assume. O pé fica nessa dancinha! Que não é nada mal para uma bailarina, acho.

Um comentário:

iza disse...

Nossa vc escreveu isso tudo aquele dia??? Quando quiser a casa tá aberta, bjs, Ane.