quinta-feira, 25 de setembro de 2008

papo tatá

Após uma conversa com Thaís Alvez sobre o TCC, não só o meu, mas também o dela - finalizado no ano passado - e todo o universo TCC, muitas fichas cairam e outras se mostraram já caídas, e junto a noção de um enorme trabalho ainda em forma de plasma, pronto para ganhar corpo. Mesmo eu não tendo lido seu trabalho, apenas assistido a sua defesa, sei que o seu trabalho é uma grande referência para mim. Não necessariamente no assunto a tratar, mas na maneira de abordá-lo. O TCC é uma grande sacada a respeito de si e o processo de sua elaboração é o que há de mais valioso, muito mais do que uma apresentação ou um trabalho encadernado. Descobrir o que eu faço para dançar; lidar com todo esse meu jeito e continuar dançando, ou justamente em função dele continuar dançando, é uma das grandes questões a tratar nesse caminho por uma dança fresca e honesta.
Explorar os órgãos é o objetivo 'mentira necessidade' essencial para começar a caminhar de alguma forma, só para de alguma maneira dar-me conta que eu danço a partir de lugares. Não importa que sejam órgaos, que sejam músculos ou ossos, importa é que eu estabeleço uma relação direta com partes palpáveis e imagináveis do meu corpo, que é com ele que eu dialogo. De repente dei-me conta que nada me garante que eu esteja de fato acessando um órgão, ou então mesmo alguma outra camada mais superficial, quem sabe com a ilusão de ser um órgão. O que importa, no entanto, não é se estou lá, mas o caminho de ir até lá; e esse caminho nada mais é sublinhar, reforçar e revigorar, um jeito de desbravar o meu corpo para dele tirar dança. a pergunta QUE LUGARES EM MIM CRIAM? é uma das chaves para o meu trabalho, e isso tudo dentro de uma lógica vomitar coelhinhos, ou seja, dando-me conta que os lugares que em mim criam e vomitam coelhos, foram construídos por tudo isso que vivi, todas as referências que colecionei ao longo do caminho, e que tudo isso em mim pode se tornar outras caras a partir de uma investigação minuciosa e entregue de meus jogos.
Questiono-me, volta e meia, o papel de estar sempre aqui sentada em frente ao computador ou ao caderno de anotações nessa tentativa de revelar o que se passa com a minha dança. Se primeiramente escrever livre e sinceramente era o principal objetivo, certo dia me percebi questionando e revoltando-me comigo mesma por eu estar sempre tão envolvidas em atividades que não a dança propriamente dita. Lá, acessando o corpo, escutando, experimentando, suando a camiseta. Esse escrever, esse imaginar, esses planos para um dia começar a me mover tem se cofigurado como principal processo de criação de uma obra. Sabe-se lá de que teor. No entanto, a imagem do meu pensamento em mandala que move o pezinho pra lá e pra cá, f conversando com a Thaís, voltei a me dar conta o quando o meu pensaaz com que as coisas se tranquilizem e voltem para o seu lugar. Em que medida eu treino meu corpo pensando nele? Já sei que posso treinar escobillas mentalmente e saber muito bem quando eu erro e quando eu acerto. E o quanto eu posso ter mais acertos que erros conforme mais eu penso e como isso depois se reflete nos pés. Enfim, se são os músculos que eu preciso treinar para fazer melhor uma escobilla dificil, posso afirmar agora que eu faço isso com o poder da minha mente. Eu faço algo acontecer no meu corpo quando eu aciono instâncias imagéticas e lógicas. Já nem ouso mais falar em instâncias mentais, para não cometer gafes nesses tempo de corpo/mente uma coisa só. O que é isso que funciona na minha cabeça, o que é isso que faz a Mariazinha que tá aqui dentro da minha cabeça dançar? Essa mesma coisa pode fazer um órgão ou qualquer outro lugar dentro de mim mover. Querendo ou não eu vasculho espaços dentro de mim, vasculho por vazios, mínimos que sejam; identifico o encontro de duas camadas, para fazê-las se atritarem e criarem o movimento. Mais uma vem à tona o ensaio com Susana França: era a exploração dos espaços que me fazia mover. Se esses espaços forem órgãos, ou a partir de algum momento começarem a ser órgãos, já não me importa muito agora.
É importante falar sobre a Mariazinha supracitada. Em 2005, ano em que entrei na faculdade, lembro bem como eram frequentes as minhas questões acerca de uma dança fruto de um diálogo do corpo com suas próprias sensações, que levasse em conta o 'sentir o corpo', sem arquitetações mentais de um movimento pronto e nem mesmo a idéia de um gesto que acontece dentro da minha cabeça. Permitindo-me essas maluquices, percebi, durante a temporada de um trabalho com Ìria Barcellos, em que fazia uma improvisação com o repertório do flamenco, que eu me via de fora. Eu conseguia projetar de alguma maneira toda a minha figura se movendo, como se estivesse me vendo de fora, para saber o lugar de cada gesto, a amplitude de cada movimento...dar-me conta disso trouxe-me angústia, mas também ânsias por fazer sumir essa tal Mariazinha que se colocava no canto frontal direito da minha cabeça. A partir de todo o trabalho da educação somática realizado na faculdade, experiências no Grupo de Risco com o Sistema Laban, entre tantas outras coisas que me fizeram voltar o meu olhar para o funcionamento das engenhocas do meu corpo e não mais para o que eu via de mim projetado no espelho, a minha relação com a Mariazinha começou a mudar. Parece que fui vendo ela por outros olhos, por outras camadas, traçando outras relações consigo. Se há um tempo atrás eu declarava a morte à Mariazinha - tadinha! - fazemos agora as pazes. Se um dia ela vai sumir e eu vou acessar diretamente sensações das minhas carnes mais internas sem passar pelo pedágio do cabeção, isso eu não sei. Mas é importante registrar essa mudança e o quanto isso me põe em outro lugar, o quanto explora novos lugares dançantes no meu corpo. O quanto sinto que os lugares em mim são locais de criação.

Seria um caminho mais que sensato ler o trabalho de conclusão da Thaís, visto questões em comum que abordamos. Decidi, no entanto, que não ia lê-lo. Ao menos não antes de finalizar o meu. Temi pelo trabalho dela constituir-se como uma referência demasiadamente forte, e forte não no sentido positivo e de alimento para os meus coelhos, mas de, em alguma medida, acabar tomando a forma de mais um monstro do 'Outro'. Esses Outros que fazem coisas ótimas e que não consigo resistir a ter como certas e absolutamente geniais, da mesma forma como o flamenco tradicional se apresenta. O trabalho de Thaís poderia ter o efeito de mais uma imagem projetada num espelho, seduzindo a seguir caminhos já dados e assim me castrar. O que eu quero que o espeho me mostre e o quanto eu quero ser no espelho algo que não sou. Optei por apostar no coelhinhozinhos que cada um vomita aos pingos à minha volta, para deixar o meu corpo criar os meus. O que Thaís vomita é o que também da boca de outros. Procuro inspirar-me na clareza de aquário do seu trabalho, descrição esta tão lindamente tradiza pelo professor Airton no dia da defesa de Thaís.

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