segunda-feira, 29 de setembro de 2008

BMC - entre luz e sombras

A fenomenologia da primeiridade, abordada por Lela Queiroz no terceiro dia de aula do Curso de Extensão no DAD-UFRGS, trata de trabalhar com o desconhecido, trata de tirar o chão, provocando o impacto do que não estava dado. E este impacto, essa nova descoberta, essas informações inéditas, uma vez acessadas, imediatamente se engajam num processo de significação simbólica, de forma que, quando um chão é tirado, logo outro se constitui, como se fosse a renovação celular da pele. Quando a camada córnea é tirada, outra já toma o seu lugar, engrossando para ser então a proteção primeira da pele. BMC fala o tempo todo nisso, na repadronização, na substituição de um padrão por outro. Pois quando uma nova informação é descoberta, ela já se torna um padrão, pois reconfigura não só aquela informação, mas todo o complexo que a engendra. O frescor do qual se fala ao tirar o chão, nos tira da possibilidade de cair nos vícios. Pesquisar a mesma coisa uma vida inteira carrega junto o perigo dos vícios, segundo Lela. Permanece a questão, como procurar o frescor num mesmo tema de uma vida inteira, tirando o meu chão, dia após dia? Sei apenas que posso provocá-lo, deixar ele acontecer, e não fazê-lo.
Este assunto da fenomenologia da primeiridade me remeteu àquele meu pensamento sobre a arte como produto de minhas doenças. Num extremo, tirar o chão é driblar os vícios, mas também, e de repente justamente por isso, sair do meu jeitão, onde a minha identidade se perde, ou seja, aquilo que ele já conheço de mim mesma e que a meu respeito afirmo. Tirar esse chão é abdicar do seu modo de fazer as coisas, entregando-se para experiências que vão além do já dado e conhecido, aquilo que temos como ponto de chegada, como certo. É como se eu estivesse acessando meus órgãos e imaginasse um ponto de chegada, um modo certo de fazer, conhecido e imaginado previamente. Com que disposição posso ir além do que imagino, ou ainda, nem sequer chegar lá? É também difícil, se não impossível, saber se estou de fato agindo sobre meu órgão e não sobre uma camada mais superficial. Como sei que eu acessei o mais profundo possível? Se é que esse mais profundo possível existe. Uma camada além sempre continuará sendo além, sendo superficial ainda.
Com meu corpo, sobretudo na visão de BMC, existe um jogo entre o que é objetivo e o que é subjetivo. Segundo Lela, existem leis que regem sobre nossos corpos, como por exemplo, ‘todo organismo vivo respira’. Essas leis seriam coisas dadas, objetivas. Essa objetividade se deixa permear, no entanto, pela subjetividade. Falando agora a partir do meu trabalho, relaciono as metáforas como sendo pertinentes a essa subjetividade. Logo, um jogo entre leis e metáforas. Posso transitar entre as leis através de metáforas. No meu corpo, que funciona segundo leis, mas também segundo meus significados, os caminhos percorridos se organizam produzindo significados, específicos no organismo, na unidade que segrega algo como indivíduo, constituindo a sua subjetividade. Os lugares no corpo agem como mediação do conhecimento, ambiente onde o mundo se articula; da mesma maneira que posso me mover a partir de espaços no corpo e de órgãos, e também vomitar coelhinhos – aliás, o conceito primordial do BMC é o espaço, como espaço de possibilidades, como busca pelo contato no espaço, apesar de ser a urgência no tempo o que faz o ser vivo. Assim, segue-se uma maneira dual de pensamento, que é um dos princípios do BMC (e não dicotômica), em função do dentro e fora, do aqui e ali. Não existe oposição entre eles, como se falaria dentro de um princípio dicotômico, mas de relação. Existe o fora de mim porque eu o vejo a partir do de mim. E o mesmo vale para o caminho inverso, para dentro. A dualidade pode também ser chamada de polaridade, como idéia de complementaridade, que um só existe com o outro, um em relação ao outro. São pares duais ao invés de idéias opostas. Dá para se falar aqui em dialética? Dessa forma o BMC transpõe a idéia de um olhar que detém o objeto como um todo, em absoluto.
O ato de tirar o chão - que não é ação, mas o permitir acontecer – é um treinamento, é exercício, através da repetição e da duração das experiências. Aos poucos é possível tornar mais rápido o processo de acesso ao ‘frescor’.
Colocar-me em situação de risco e mesmo assim permanecer em estado de alerta e escuta, acho que essa de repente é a questão para tirar o meu chão. ENTREGA, PRESENÇA E ESCUTA DESSE MOMENTO. Uma tentativa de driblar o meu hábito, encarando o 'perigoso' e assim abrindo o lastro de possibilidades de movimento.
O processo de produção de conhecimento é algo dinâmico e não cumulativo. No jogo de luz e sombras, sempre uma coisa é luz, e se relaciona com as sombras, mesmo que não claramente. Isso compartilha com a idéia de que o corpo é um todo: é possível focar diferentes pontos, no entanto cada parte interfere no todo, dentro de uma concepção pós-moderna do corpo. E assim posso trabalhar com os meus órgãos ou locais de criação. Mover um órgão não significa só mover a região correspondente, mas observar e criar com o que essa região em movimento faz com o meu corpo todo. E tem mais!! A gente não manda no que a gente ta mandando. Assim como normalmente é impossível mandar nos coelhos.


Não quero que minhas experiências de vida sejam o desvirtuar de meu tema de TCC, também não quero deixar de vivê-las por precisar produzir conhecimento – aliás, acho que o fato de eu hesitar tanto futuramente fazer mestrado ou afins, é por eu ter tanta vontade de viver outras experiências que não a dança... proponho-me, no entanto, uma solução: quero que as coisas todas em mim sejam o TCC, sejam o meu corpo, a minha dança.
Pra que ter medo do meu corpo e das experiências estranhas que vivo? Eu não vou morrer enquanto isso não for preciso, e sendo um dia preciso, isso já não me assusta.
Viver as dores, os prazeres, os desconfortos, os sustos. Agora na vivência realizada na aula da Lela (29.09) eu respirei tudo o que meu corpo precisou, duma maneira que comecei a sentir desconforto, dores, espécie de enjôo. Vi-me então numa encruzilhada: parar ou continuar? Optei por continuar; e o corpo me surpreendeu por resolver ele mesmo o caminho. Agora me dou conta de tudo isso, e que se poupar de experiências que a princípio assustam é bobagem, pois assustam pelo desconhecido, pela falta de chão. Como disse, uma experiência só me causa a morte se for preciso, e se não for preciso morrer, me causam outras novas experiências e novos chãos.

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